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Cartas
de abertura

Emergências, desafios e possibilidades em cenário de pandemiaPor Maria Alice Setubal

O ano de 2020 parece um ano que não terminou. O mundo foi tomado pela pandemia da Covid-19. Ao lado de uma enorme crise sanitária, vivemos também uma crise política, gerada por um governo que caminha a passos lentos diante da necessidade de providências urgentes. Readequamos a nossa forma de viver. O mesmo aconteceu no campo institucional. O primeiro movimento da Fundação Tide Setubal, após o chamado para o distanciamento social e para a permanência em casa, foi pensar em como apoiaríamos as periferias do Brasil diante de tamanha emergência.

Ao lado da Benfeitoria, redesenhamos o Matchfunding Enfrente, lançado no ano anterior. Convocamos parceiros em um grande movimento de filantropia colaborativa e de mobilização da sociedade e repassamos mais de R$ 7 milhões – R$ 4,76 milhões do Fundo Colaborativo Enfrente e R$ 2,43 milhões por meio de financiamento coletivo – para os 265 projetos selecionados.

E, olhando para as periferias do Brasil, não poderíamos deixar de fortalecer o Jardim Lapena, na zona leste de São Paulo, onde está localizado o Galpão ZL, território da Prática de Desenvolvimento Local. A prioridade foi promover assistência imediata e para isso foram entregues 2 mil cartões alimentação e 2 mil cestas básicas no território graças ao mapeamento realizado pelas Guardiãs do Bairro, grupo voluntário que se formou com moradoras do Jardim Lapena e atuou em uma mobilização para proteger a população contra os efeitos da pandemia.

Além da distribuição, as guardiãs se responsabilizaram por mapeamentos diários sobre a situação dos moradores para ajudá-los diante da vulnerabilidade. Em paralelo, um bot para WhatsApp, desenvolvido pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e a empresa Data Machina, foi usado para informar a população sobre os casos de Covid-19 na região e promover o comércio local – no caso, a partir da disponibilização de um sistema de delivery a comerciantes locais.

Na programação de atividades oferecidas para os moradores, além de cursos online, estava a Bike Literária, criada para que os moradores do Jardim Lapena pudessem solicitar empréstimos de livros por WhatsApp e recebê-los em casa por meio de entregas feitas por entregadoras(es) integrantes do projeto.


Em uma perspectiva de apoio à rede pública, fizemos doações ao Hospital Municipal Tide Setubal, em São Miguel Paulista, que atende os moradores da zona leste. Foram entregues, no total, 1.070 aventais, 30 mil luvas, 2 mil propés, 3 mil toucas, 40 mil máscaras simples, 1.400 máscaras N95 e 15 mil aventais descartáveis. Apoiamos também o aprimoramento da infraestrutura com a doação de três geradores de energia elétrica instalados no equipamento público.

Nossas ações de enfrentamento das desigualdades não ficaram restritas ao campo da emergência, apesar do lugar de prioridade que estas tomaram. Raça e Gênero, Orçamento e Planejamento, Nova Economia e Desenvolvimento Territorial, Cidade e Desenvolvimento Urbano foram definidos como diretrizes para a nossa estratégia de Programas de Influência, com atividades e projetos relevantes na busca pela equidade.

Na trilha do combate à desigualdade racial e do apoio à potência de pessoas negras, o Programa Raça e Gênero lançou o Edital Caminhos, em parceria com o Instituto Ibirapitanga e a Porticus América Latina, com o objetivo de ampliar a diversidade racial em espaços de influência. A primeira edição selecionou 30 lideranças negras, entre as 372 inscrições, que receberam aporte financeiro de até R$ 15 mil para aplicar na sua formação.

Além da prática institucional, o programa buscou influenciar outros pares do investimento social privado (ISP) no enfrentamento do racismo, compondo a Rede Temática de Equidade Racial do Gife, para intensificar discussões e a realização de atividades voltadas à centralidade do apoio à potência de pessoas negras, ao combate ao racismo estrutural e à promoção da justiça racial dentro de projetos idealizados por organizações da sociedade civil (OSCs) e organismos ligados ao campo do ISP.

Atuamos também da porta para dentro com a criação do Comitê de Diversidade e Inclusão. Composto por profissionais de todas as áreas da Fundação, de diferentes níveis hierárquicos, o grupo tem como foco promover mecanismo em favor da equidade e da transformação de hábitos firmados por meio de normas, valores, expectativas e atitudes partilhadas de seus colaboradores, fornecedores, parceiros e públicos atendidos em relação às múltiplas formas de diversidade. No decorrer de 2020, a equipe desenvolveu a sua Política de Diversidade e Inclusão.

Já o Programa Nova Economia e Desenvolvimento Territorial buscou apoiar os empreendedores da zona leste com a Jornada Empreendedora Inova ZL, proposta de aceleração de negócios periféricos desenvolvida para levar em conta a estruturação de negócios, com o fomento à escala de empreendimentos para fortalecer o ecossistema local e chegar à geração de renda.

O projeto, elaborado para funcionar como uma trilha de formação, mentoria e apoio financeiro para microempreendedores, incubou 30 negócios da zona leste de São Paulo atuantes nas áreas de gastronomia, agricultura, meio ambiente – reciclagem e energia solar –, construção civil, moda, comunicação e tecnologia. Ao fim do processo, dez empreendimentos foram escolhidos para passar por aceleração e mentoria – cada um receberia R$ 5 mil. A jornada, realizada em parceria com Emperifa, Sebrae e Pense Grande, contou com 61 inscrições.

Na perspectiva da redução das desigualdades na cidade, o Programa Planejamento e Orçamento desenvolveu o projeto (Re)age SP – Virando o Jogo das Desigualdades na Cidade, em parceria com a Rede Nossa São Paulo, que propõe a criação de visão de longo prazo baseada em planos setoriais já existentes e aprovados.

Duas propostas relativas ao projeto foram lançadas, também como publicações: 50 Metas de Referência para uma Cidade mais Justa até 2030 e o índice (Re)distribuição Territorial do Orçamento Público: Uma Proposta para Virar o Jogo das Desigualdades, com a indicação de investimentos e novos serviços públicos para cada subprefeitura de São Paulo de acordo com as suas necessidades, invertendo as prioridades e direcionando mais recursos para os territórios mais vulneráveis, além de estabelecer critérios técnicos para a distribuição territorial da despesa no Plano Plurianual e nas Leis Orçamentárias Anuais.

O Programa Cidade e Desenvolvimento Urbano, alinhado com esse olhar para a cidade, integrou ao Pacto pelas Cidades Justas, uma rede de organizações da sociedade civil que, em parceria com governos estaduais e municipais, elabora, implementa e dissemina metodologias e projetos orientados pelo conceito de urbanismo social, com o objetivo de transformar territórios em situação de vulnerabilidade. A iniciativa conta com mais de 20 organizações da sociedade civil, reunidas para trocar experiências e implementar projetos de forma colaborativa.

Ao longo de 2020, o Pacto colaborou com a Prefeitura de São Paulo na elaboração de projetos de urbanismo social para três bairros – Jardim Lapena, Pinheirinho d’Água e Parque Novo Mundo –, além de compor o comitê de governança do Programa Cidade Solidária, que realizou a distribuição de cestas básicas para as populações dos bairros mais afetados economicamente pela pandemia de Covid-19.

O trabalho em rede foi uma das frentes de atuação do Programa Democracia e Cidadania Ativa. Diante do contexto de crise política, inúmeras iniciativas foram realizadas de forma conjunta para garantir e manter direitos. Entre as articulações, ao lado do Pacto pela Democracia, destaca-se a campanha Eleições Seguras, com o objetivo de viabilizar eleições rápidas e seguras em 2020 para evitar a disseminação de Covid-19 entre os eleitores.


O manifesto Enquanto Houver Racismo, Não Haverá Democracia, da Coalizão Negra por Direitos, foi outra iniciativa apoiada pela Fundação Tide Setubal. A ação teve o objetivo de chamar a atenção de grupos diversos e amplos da sociedade e convidá-los a compreender a necessidade do enfrentamento do racismo estrutural em vários âmbitos. O manifesto foi assinado por mais de 59.500 pessoas.

Formações e cursos voltados ao desenvolvimento de atores e coletivos atuantes na promoção da cidadania e da justiça na sociedade civil também integraram o calendário do programa. Uma iniciativa a ser destacada é o curso Direito à Cidade e Eleições 2020, oferecido na Plataforma Cidades, voltada ao fortalecimento de articulações políticas e constituição de espaço de encontro de ativistas, mandatos e organizações que atuem pelo tema do direito à cidade.

A busca por caminhos para o diálogo, diante de um contexto extremamente polarizado, foi diretriz para a Comunicação, que tem atuado no desenvolvimento de ferramentas para novas narrativas para causas. Destaco aqui a publicação Comunicação de Causas: Reflexões e Provocações para Novas Narrativas e a websérie Despolarize, lançada no canal Enfrente.

A publicação, realizada em parceria com o Instituto Alana e a Rede Narrativas, é resultado do olhar de um grupo de comunicadores para os desafios de comunicação apresentados na pesquisa O Conservadorismo e as Questões Sociais. O conteúdo traz análises e dicas sobre linguagem e novas formas de apresentar as causas para o público conservador e não engajado.

Já a websérie Despolarize, criada em parceria com o Despolarize, projeto voltado à ampliação de repertório para lidar com conflitos, apresenta em seus quatro episódios cenas nas quais é possível analisar diálogos e destacar elementos que mostram onde nasce a polarização quando estamos dialogando sobre as causas do campo progressista.

Inúmeros foram os desafios na jornada de 2020. Olhamos para as emergências sem nos imobilizar. Adequamos rotas e descobrimos novas formas de atuar, sem deixar de lado a nossa missão, ainda mais fundamental, de contribuir com o desenvolvimento das periferias e enfrentar as desigualdades. O resultado desse percurso está no Relatório Anual que apresentamos neste site, mas está também em cada um de nós.

Boa leitura,

Maria Alice Setubal

Presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal